sábado, 19 de dezembro de 2015

RE-ENCONTRO.



Quando todos os passageiros ainda estavam sentados na sala do pré-embarque, o Grunho já se tinha posicionado junto à cancela. Estava visivelmente agitado e o facto de ali ser proíbido fumar contribuia de forma lapidar para a sua impaciência. Ficou com todas as pastilhas elásticas que o Besuntas tinha na carrinha mas isso não o iria salvar do negredo com início agendado para as 15:47, mas os comprimidos que roubou à mãe, sim. Retirou do bolso o guardanapo que os continha e engoliu a seco dois deles. Deitou um olhar ao arranjo floral. Tal como suspeitara não foi boa jogada ter comprado as rosas tão cedo. Passou as costas da mão que tinha livre pela testa ao sentir um fio de suor atravessar-lhe a testa. Não era a primeira vez que viajava de avião, teve também Londres como destino, o seu vôo inaugural. Foi durante uma semana, a convite daquela estudante portuguesa de visita a Cambridge para tentar encontrar casa antes do início do ano lectivo; da segunda vez foi para ir com o Brocas e o Jaime ao districto da Rua Vermelha que por acaso ficava em Amesterdão e na terceira e última, para ir à Suíça mais o Besuntas ver o jogo dos quartos-finais de Portugal contra a Alemanha. Talvez fosse dos nervos, da contracção ou rigidez dos músculos, mas o Grunho que por vezes se via tão aflito com o inchaço de veias inflamadas e doridas na parte interior do recto, lá começou a sentir pulsar a velha puta da hemorróida que de vez em quando espreitava – Olha, olha, olha…isto é que é ter sorte! Já vi que vamos ter festa... – Normalmente, a preocupação do Grunho com este mal crónico mas passageiro tinha menos a ver com o incómodo causado no fundo das costas do que com o receio de que alguma maluca ao enfiar-lhe o dedo no cú acalcasse a feijoca e que daí resultasse aquela sensação de o fazer ver as estrelas em pleno dia. Para começar, teimou em não se sentar no lugar respectivo enquanto não lhe trouxessem não uma mas duas almofadas. Apesar dos constantes pedidos da hospedeira para dar passagem aos demais passageiros, recusava-se a sentar – Uma porra! Querem o quê? Eu fui operado ao fundilho das costas, dona! Se não passarem para aqui as almofadas eu vou de pé o tempo todo e desde já aviso que sou o gajo mais chato que podia ter entrado neste avião aqui! – calava-se durante alguns segundos quando incomodado pelos outros passageiros que lhe pediam licença e se esforçavam para conseguir passar no espaço livre que o Grunho ocupava no corredor. - Já não bastava estar nervoso e doente…e vem isto agora! Vá lá menina, duas almofadas, já estou a ganhar bolor! - Respirou fundo, fechou os olhos e começou a cantar de surdina um fadinho para se acalmar e ajudar a passar o tempo – Duas lágrimas de orvalho caíram nas minhas mãos…Quando te afaguei o rosto… Pobre de mim pouco valho…P´ra te acudir na desgraça…P´ra te valer no desgosto…- O Grunho parou de cantar para tossir, inspirou longamente, revirou os olhos para o chão e enrolou as pernas uma na outra. Todo ele, dos pés à cabeça, era a imagem precisa do total desalento e abandono. Assim apoiado nos cotovelos pousados no encosto para a cabeça do assento, o triste molhe de rosas nas mãos e a balbuciar um fado vadio, tinha feito as delícias de algum fotógrafo que procurasse capa para a Life ou a Metropolitan. – Este avião não descola enquanto eu não tiver as minhas al-mo-fa-das! - vociferou no mesmo tom de voz rouca mas desta vez em implícita ameaça crescente. Quando já estava decidido a começar a rezar o pai-nosso como truque infalível para sobressaltar a tripulação, uma hospedeira saida do compartimento da primeira classe veio a passo de corrida trazer-lhe as almofadas. – Aqui tem, Senhor, faça o favor de se sentar no seu lugar. – A este ponto, os passageiros, que seguiam a cena com muita preocupação antevendo a necessidade de ser chamada a polícia puderam respirar de alívio e voltaram a sentar-se, outros porém de certeza que dali em diante iriam suspeitar que aquele era o perfil do tipo que tenta abrir a porta do avião a 11.000 metros de altitude. – Finalmente! Eu já ia começar a rezar! Já ia começar a rezar! - O Grunho instalou-se no lado da janela esticando as pernas o máximo que pode e ignorando os procedimentos de segurança. Já desde essa manhã que ele experimentava um nível crescendo de flatulência mas a apoteose chegou quando observava por baixo de si o Cristo-Rei – Ui…guarda aí Manel, só para ti!…Quando não se paga a renda, expulsa-se o inquilino! Ainda bem que não tenho aqui vizinhos à perna! - disse, olhando para o seu lado esquerdo. Ao fim de alguns minutos refastelado que nem um lorde no seu assento extra almofadado, o efeito dos calmantes acabou por produzir o seu efeito. O Grunho cruzou os braços ao nível do peito e fechou os olhos preparando-se para arrochar no mínimo durante boa parte da viagem. – Qual é a bebida que o Senhor vai desejar tomar? – Ele abriu de imediato os olhos – Depende - Junto à comissária de bordo estava o carrinho com as chaleiras, as cafeteiras, as metades de sanduíches embaladas a celofane – Temos café, chá, sumo, água… - Pode ser Sumol de uva, tem cá? Ou água, mas só se for água da Escócia, para me lavar o estômago…está a perceber? Ó dona, acha que sim, eu cá precisava era de beber uma dez cervejas para matar esta sede, mas como nisso você não me vai ajudar, ora adeus! – e voltou a fechar os olhos. - A Hospedeira franziu a testa e retirou-se em silêncio, passando ao próximo passageiro – Fodasse, não sei se a fodia ou se me batia - disse para ele, sem mexer as pálpebras dos olhos.

A Tiradentes foi dar com o Grunho, mãos nos bolsos, lingua de fora a fazer fintas rápidas a um par de irmãos gémeos desesperados por lhe sacarem a bola perto do meeting point. Antes de chegar a ele, dois polícias avisaram-no que entre muitas coisas que não eram permitidas nas instalações do aeroporto, uma delas era jogar à bola. O Grunho, que de inglês só fala o da praia, não precisou de fazer um grande esforço para compreender o que lhe diziam e depois de encolher os ombros para os miúdos, passou-lhes a bola rematando com a testa. – "Welcome To London"! - A Tiradentes, que não era baixa, de saltos muito altos ficava quase da altura do Grunho, apresentava-se muito elegantemente vestida com um fato escuro, uma camisa com um grande decote a fechar em bico, carteira Chanel, o cabelo bem apanhado atrás – Epá, vai ao olho! O Grunho deu uns passos para trás como que para obter a melhor panorâmica, tirou os óculos escuros e assobiou. - Abençoados pais que construiram este monumento…E que monumento, a catedral mais linda de Londres! – Obrigada. Fizeste uma boa viagem? Apetece-te alguma coisa? Oh...pare… - o Grunho já estava a cheirar-lhe o pescoço e a passar em movimentos circulares a ponta da língua. – Então não me apetece? Já me deixou cá c´uma quentura! Mas pronto, além das brincadeiras que tenho em mente, uma bica curtinha com bagaço cheio também já ia! - O Grunho que nunca gosta de fazer menos do que impressionar, lembrou-se das flores murchas que entretanto já tinha atirado para o lixo e para compensar a falta, estreitou-a pela cintura – sabe, não gosto de aparecer de mãos a abanar e por isso tinha-lhe comprado em Lisboa um belo, belíssimo, ramalhete de flores mas tenho a informar que, coitadas, lamentavelmente já morreram para a vida...Peço-lhe que perdoe este escravo - A Tiradentes, que já começava a ficar algo excitada com o contacto do Grunho, afastou-se dele com alguma atrapalhação que soube disfarçar.

Foram passear pela zona de Portobello Road onde se embrenharam na incontornável feira que àquele dia da semana decorria. O Grunho, que já mostrava com orgulho a sua renovadíssima guarnição dental, sorria e flanava por entre as bancas com o mesmo à-vontade com que costuma andar pelo bairro, cigarro pendurado no beiço, aquela mania dos casacos e dos blazers, mão no bolso a gingar o fadistão. A cada par de metros percorridos o Grunho estacava a apreciar as mulheres de alto a baixo, como se estivesse na feira de gado. Isto sempre indiferente à Tiradentes que até achava graça ao seu comportamento infantil, abanando a cabeça como uma mãe paciente faz às traquinices do filho pequeno. Numa banca vê a reprodução de um quadro e diz que tem o original em casa, que o homem anda a querer enganar as pessoas e que quando chegar a Lisboa se vender o quadro num antiquário provavelmente fica rico. Quando topou com uma venda de artigos de merchandising correu a procurar a t-shirt da selecção portuguesa de futebol, e embora não tendo encontrado nenhuma, a visão de uma sweatshirt com a cara do Cristiano Ronaldo deixa-o louco de alegria e impele-o a puxar da carteira – Fodasse! Não me lembrei que aqui não aceitam euros…Já da outra vez foi a mesma merda! Alguém havia de dizer a estes gajos que estão na Europa e que é essa a razão da moeda da Europa se chamar “euro”, ou acham que é por acaso? – A Tiradentes entretanto mostrava-lhe outras que estavam expostas em cabides, apertadas umas contra as outras – Olha aqui, Elegantly WastedSportfuckerBed BoySerial Fucker… Todas elas dizem bem contigo! Escolhe a que quiseres, vá! – O Grunho, que não entendia o significado das frases ficou a olhar muito fixo com os braços cruzados à cintura com um ar muito inteligente. Gostar ele gostava era das t-shirts com figuras estampadas, as últimas da fila. Pegou numa com um lutador de luta livre mexicana, de máscara e fato amarelos, num fundo de várias cores garridas supostamente resultantes de uma explosão e em letras copázio: ¡ Mucho Machismo! – Boa, leva essa, e para mim levo aquela, agora só tenho que encontrar uns óculos iguais aos teus! – Riu-se. A Tiradentes tinha achado graça ao cabeludo David Hasselhoff em Knight Rider mas como o Grunho, que já tinha feito a sua escolha, reiniciara distraídamente o seu desfile, limitou-se a pagar as camisas sem esperar pelo troco.

À porta do British Museum juntou-se a um grupo de punks barulhentos junto de quem se peidou e arrotou muito, bebeu vinho branco pela garrafa e fez festas aos cães, que estavam notavelmente mais asseados que os donos. A Tiradentes registou o momento com as muitas fotografias que tirou com uma Polaroid. Em pleno Hyde Park, os dois pararam para se sentar num dos bancos a observar os irrequietos esquilos, - Estou tão feliz que tenhas vindo…Pensei que não viesses a tempo de eu terminar o doutoramento. Aliás, para ser justa eu nem acreditava que pensasses verdadeiramente em vir. Por vezes sinto-me tão terrivelmente só, aqui… - sorriu e tapou com as palmas das mãos o rosto oval. Parecia cansada. - Se eu alguma vez pensei estar aqui em Londres com uma pessoa que ainda não conheço bem! E logo um tipo como tu, tão…diferente! E conhecemo-nos há pouco tempo! Eu sou aquela que passa a vida a sonhar com o homem perfeito e talvez por isso também já não o procuro. – o Grunho que de olhos fechados passava deliciado os dedos pelos cabelos do rabo-de-cavalo da Tiradentes saiu da sua hipnose e num gesto vagaroso interrompe-a encostando um dedo indicador nos lábios muito vermelhos – Bom, para começar, o homem perfeito não existe, mas existo eu, o que é quase a mesma coisa! Bem vistas as coisas não sou um homem, sou um homem-animal. Espécies como eu deviam de ser estudadas. Depois, nada disso que me conta é verdade. Conheci-a toda a vida, já me tinha aparecido em sonhos, sabe? O resto, essa coisa de eu ser um gajo simples é verdade, mas não sou tão alberto assim e prova disso mesmo é eu estar aqui, já não perco tempo com gajas, só com mulheres, entende-me nisto? - pousando a mão no joelho dele - mas diz-me, tu tens este efeito sobre todas as mulheres? Como é possível isto? Porque eu nunca fiz nada semelhante! Aliás, nunca precisei, porque acho que me acostumei a que sejam os homens a bajular-me. Sei que é terrível dizer isto - o Grunho, ouvindo tudo o que ela lhe dizia com um sorrisozinho de orgulho interrogou-se acerca do significado do verbo “bajular”, mas como a palavra lhe soava distinta, não deu a entender a sua dúvida. Balançava agora um palito ao canto da boca, as mãos a aquecer nos bolsos - Oh “dótora” mas eu compreendo-a muito bem! Então, basta olhar para mim, eu sou tão lindo que às vezes quando me vejo ao espelho até me excito a mim próprio, palavra de honra! Eu nem sequer falo muito disso porque soa-me um bocado a bichanice, mas pronto, a realidade é que eu não sou bom, sou duas vezes isso, sou bombom! – Ela continuou, sem ligar à patacoada narcisista do Grunho – No fundo, sei que tenho ciúmes dessa tua felicidade ingénua. Comigo é tudo tão complicado! E depois tu tens esse sorriso triste e olhos traquinas, essa tua expressão tão distante, ar de quem se está a cagar para isto tudo. Mas por detrás dessa rudeza, és um homem delicado. As mulheres que consigam decifrar isso vão ficar estarrecidas mas também vão ser umas desgraçadas! As tuas maneiras, tudo... és assim entre o patético e o poético, o camelo e o caramelo, cheio de singularidades...por exemplo, esse cigarro atrás da orelha nunca vi em ninguém! - o Grunho ajeitou-o de imediato - deixe lá estar a beata na orelha que eu não tenho onde deixar o cigarro direito...olha agora! - A Tiradentes prosseguia, lançada na leitura psicológica ao Grunho - E os teus preconceitos, meu Deus! Não gostas que as mulheres fumem, que se pintem, que andem de mini-saia...Apesar de teres a minha idade pensas como o meu avô que tem quase 90 anos! – O Grunho coçou a base da nuca - Ah é? Fixe, tenho de ir jogar uma cartada com o teu avô então! Gramo de falar com os velhotes! - ela riu - Olha que surpresa! - O Grunho começava a sentir a cabeça dele demasiado esmiuçada para o seu gosto e sentiu-se na obrigação de cortar a conversa que desembocara naquele parlapié sentimental bem típico de toda a gaja em todos os países do mundo, que ele já conhecia de trás para a frente; O Grunho levou o cigarro solitário à boca e falou qualquer coisa imperceptível sem o retirar da boca. - Vamos andando antes que comece outra vez a chover? Nunca vi sítio assim, ainda é pior do que o Porto ou o carago! Lembrei-me agora, da outra vez que cá estive não vi aquela torre em ferro com a forma de pila! Ou se calhar estou a fazer confusão...?

quarta-feira, 2 de dezembro de 2015

JUNTO AO RIO, NAS COLUNAS.

Batia o sol do meio-dia. Grupos de pessoas, sobretudo turistas, repousavam os ossos e a vista junto do Tejo, uns sentados nos bancos de pedra, outros deitados no chão de mármore do Cais das Colunas. O Grunho e o Besuntas estavam deitados, cada um no seu degrau das escadas de acesso à rampa. Todos os que lá estavam eram forçados a ouvir o “Boa noite Solidão” que Fernando Maurício cantava em plenos pulmões de dentro do rádio a pilhas que o Grunho colocara entre os dois. Dentro da sua única camisa de seda toda desabotoada e calças arrepanhadas até aos joelhos, o Grunho espreitava por cima dos Rayban aviator originais - trazidos da base das Lages pelo Amaral, o vizinho militar - cabeça pousada na mochila de viagem, o cabelo em desalinho, queixo pousado no peito, muito concentrado no manuseamento do telemóvel cuja sofisticação continuava em grande parte um mistério por decifrar. O Besuntas, de olhos fechados, escarafunchava pacientemente o nariz à cata de burriés que ia enrolando na ponta dos dedos e fazia disparar aqueles que voavam, colocava ainda numa frincha que achara no degrau, aqueles que vinham húmidos e que se agarravam aos dedos.– Ainda dava tempo para ir ao peep-show, o que é que me dizes? – pergunta o Besuntas, sem deixar de abrir os olhos nem de fazer a meticulosa operação de desobstrução nasal - Hã? Ir agora daqui ao Rossio a butes, tás tosco ou quê? Não me posso atrasar! – Opá, mas se ainda temos que ir buscar a carrinha lá ao bairro! Aproveitávamos a ida…ou estás com medo de chegar atrasado lá à terra dos camones? – O vôo para Londres estava marcado para dali a duas horas. O Grunho tinha a Dentista à sua espera para uns dias em que trocaria o Tejo pelo Tamisa para dar as suas voltas românticas com a Doutora. – Fodasse, agora lá porque a gaja te amanhou a dentuça ela faz de ti gato sapato? Tás a ficar fraquinho! Vais casar com a gaja ou quê? – o Grunho pousou o telemóvel sobre a barriga e ajustou os óculos. – Casar? Eu cá é conhecê-las, amá-las e deixá-las! Casar...Que azar! – Um grupo de raparigas, claramente oriundas do norte da Europa vieram sentar-se nas escadas, olhando com curiosidade os dois marmanjos estirados a ouvir fado. Cena pitoresca e de folquelore regional, terão certamente pensado – Então quer dizer que para a semana não vais bulir, não é, seu moinas? O nosso patrão vai-se passar contigo! Temos já três trabalhos marcados e tu vais-te por nas putas…Já agora, não te esqueceste de falar com o Adolfo para te substituir pois não? - o Grunho endireitou-se e deteve-se a olhar para as estrangeiras que por sinal tinham escolhido aquele poiso para almoçar – ´Tá tudo tratadinho…E também já disse ao teu pai para me descontar cinco dias de férias, além disso eu trabalho, trabalho, trabalho e o dinheiro está no caralho! Se estivesse em casa a ganhar dinheiro sem fazer nenhum é que eu estava bem…- O Grunho que se tinha posto a estudar as cuecas, umas de fio dental e outras em renda que despontavam da alvura dos traseiros próximos, sentindo o súbito impulso artístico sacou do iPhone para tirar umas fotos, sem se ralar mínimamente em ser chamado à atenção. Mandou um caldo na testa do amigo, despertando-o da letargia. Juntaram as cabeças para verem as imagens no ecrã do telemóvel. – Olha lá, mano… não parece mesmo uma fisga? E olha que por acaso não tenho este modelito na minha colecção…que categoria...- deslizou com o dedo para outra fotografia – esta aqui deve ser daquelas que quando tiram as cuecas elas andam sozinhas. Até os pelinhos ficam colados à langonha…E esta aqui, ó! Ai…porque é que o meu pai não me fez gaja?! Era só abrir as pernas e facturar! Queres ver para contares como é que foi? Então toma nota – o Grunho fez sinal para chamar a atenção de uma das raparigas – Psst, psst! – a que estava de costas voltou-se no exacto momento em que enfiava um donut quase inteiro pelas goelas abaixo – I love you à bruta! Irra, que tu casa mal de cara! Mas uma burra com um chapéu na cabeça marcha também! - O Besuntas começou a rir que nem um maluquinho e voltou a deitar-se ao comprido, com os braços cruzados atrás da cabeça. – Gosto mais das tuas fotografias e dos teus filmes...- As raparigas olhavam de soslaio com um misto de desconfiança, vergonha e interesse, impressionadas talvez, por aquele exemplo de beleza viril alfacinha. – ´Tás com pouca sorte, filha. Mas, se ficares cá mais uns dias eu ainda regresso a tempo de tratar de ti! Vou-te compensar pela demora, e quando eu voltasse ainda ias comer com mais apetite, que eu tenho aqui para te dar a vitamina que tu precisas! – O Besuntas rematou – Vês? A sério que não te percebo, levas peixe para o mar...Aqui com tanto mulherio e vais-te mandar para Inglaterra só porque a “dótora” mudou-te as favolas! Ainda se tivesses aí algum dente de ouro um gajo ainda percebia… – O Grunho começou a colocar cada botão na sua casa – Ouve lá, a aparência é importante, se tiveres pinta e tratares bem de ti elas acreditam em tudo o que tu lhes disseres! E também conta a maneira como tu falas com elas, se dás atenção ao que te dizem, interessares-te, pá, até a farpela que tu vestes é importante, isto não é só chegar e dizer aqui estou, aqui me tens! – O Besuntas deu-se por vencido - Tens cá uma converseta, meu, vai lá vai – Há que ser fino, há que ser fino…E o dente de ouro vem já a seguir, isso é uma sardinha que já está a assar! Agora vamos embora senão fecha! – o Grunho levantou-se, embolsou o telemóvel e o rádio que ainda tocava fado. Pegou no pequeno arranjo de flores amarelas e vermelhas que repousava ao seu lado. Foi-se agachar perto da deusa nórdica com cuecas de atilho e aproximou-lhe uma rosa que tinha retirado ao conjunto. A rapariga ficou mais vermelha que um Ferrari – Thank you very much – disse ela. O Grunho, calado, sorriu muito ao de leve, fazendo apenas com a mão um pequeno movimento palaciano em modo de despedida e uma piscadela de olhos antes de, em saída triunfante, começar a andar, sob uma salva de palmas e assobios das amigas da contemplada. – Vá lá, vamos ao peep-show, caralho! Ainda dá tempo! – pediu o insensível Besuntas quase arruinando aquele momento.