quarta-feira, 2 de dezembro de 2015

JUNTO AO RIO, NAS COLUNAS.

Batia o sol do meio-dia. Grupos de pessoas, sobretudo turistas, repousavam os ossos e a vista junto do Tejo, uns sentados nos bancos de pedra, outros deitados no chão de mármore do Cais das Colunas. O Grunho e o Besuntas estavam deitados, cada um no seu degrau das escadas de acesso à rampa. Todos os que lá estavam eram forçados a ouvir o “Boa noite Solidão” que Fernando Maurício cantava em plenos pulmões de dentro do rádio a pilhas que o Grunho colocara entre os dois. Dentro da sua única camisa de seda toda desabotoada e calças arrepanhadas até aos joelhos, o Grunho espreitava por cima dos Rayban aviator originais - trazidos da base das Lages pelo Amaral, o vizinho militar - cabeça pousada na mochila de viagem, o cabelo em desalinho, queixo pousado no peito, muito concentrado no manuseamento do telemóvel cuja sofisticação continuava em grande parte um mistério por decifrar. O Besuntas, de olhos fechados, escarafunchava pacientemente o nariz à cata de burriés que ia enrolando na ponta dos dedos e fazia disparar aqueles que voavam, colocava ainda numa frincha que achara no degrau, aqueles que vinham húmidos e que se agarravam aos dedos.– Ainda dava tempo para ir ao peep-show, o que é que me dizes? – pergunta o Besuntas, sem deixar de abrir os olhos nem de fazer a meticulosa operação de desobstrução nasal - Hã? Ir agora daqui ao Rossio a butes, tás tosco ou quê? Não me posso atrasar! – Opá, mas se ainda temos que ir buscar a carrinha lá ao bairro! Aproveitávamos a ida…ou estás com medo de chegar atrasado lá à terra dos camones? – O vôo para Londres estava marcado para dali a duas horas. O Grunho tinha a Dentista à sua espera para uns dias em que trocaria o Tejo pelo Tamisa para dar as suas voltas românticas com a Doutora. – Fodasse, agora lá porque a gaja te amanhou a dentuça ela faz de ti gato sapato? Tás a ficar fraquinho! Vais casar com a gaja ou quê? – o Grunho pousou o telemóvel sobre a barriga e ajustou os óculos. – Casar? Eu cá é conhecê-las, amá-las e deixá-las! Casar...Que azar! – Um grupo de raparigas, claramente oriundas do norte da Europa vieram sentar-se nas escadas, olhando com curiosidade os dois marmanjos estirados a ouvir fado. Cena pitoresca e de folquelore regional, terão certamente pensado – Então quer dizer que para a semana não vais bulir, não é, seu moinas? O nosso patrão vai-se passar contigo! Temos já três trabalhos marcados e tu vais-te por nas putas…Já agora, não te esqueceste de falar com o Adolfo para te substituir pois não? - o Grunho endireitou-se e deteve-se a olhar para as estrangeiras que por sinal tinham escolhido aquele poiso para almoçar – ´Tá tudo tratadinho…E também já disse ao teu pai para me descontar cinco dias de férias, além disso eu trabalho, trabalho, trabalho e o dinheiro está no caralho! Se estivesse em casa a ganhar dinheiro sem fazer nenhum é que eu estava bem…- O Grunho que se tinha posto a estudar as cuecas, umas de fio dental e outras em renda que despontavam da alvura dos traseiros próximos, sentindo o súbito impulso artístico sacou do iPhone para tirar umas fotos, sem se ralar mínimamente em ser chamado à atenção. Mandou um caldo na testa do amigo, despertando-o da letargia. Juntaram as cabeças para verem as imagens no ecrã do telemóvel. – Olha lá, mano… não parece mesmo uma fisga? E olha que por acaso não tenho este modelito na minha colecção…que categoria...- deslizou com o dedo para outra fotografia – esta aqui deve ser daquelas que quando tiram as cuecas elas andam sozinhas. Até os pelinhos ficam colados à langonha…E esta aqui, ó! Ai…porque é que o meu pai não me fez gaja?! Era só abrir as pernas e facturar! Queres ver para contares como é que foi? Então toma nota – o Grunho fez sinal para chamar a atenção de uma das raparigas – Psst, psst! – a que estava de costas voltou-se no exacto momento em que enfiava um donut quase inteiro pelas goelas abaixo – I love you à bruta! Irra, que tu casa mal de cara! Mas uma burra com um chapéu na cabeça marcha também! - O Besuntas começou a rir que nem um maluquinho e voltou a deitar-se ao comprido, com os braços cruzados atrás da cabeça. – Gosto mais das tuas fotografias e dos teus filmes...- As raparigas olhavam de soslaio com um misto de desconfiança, vergonha e interesse, impressionadas talvez, por aquele exemplo de beleza viril alfacinha. – ´Tás com pouca sorte, filha. Mas, se ficares cá mais uns dias eu ainda regresso a tempo de tratar de ti! Vou-te compensar pela demora, e quando eu voltasse ainda ias comer com mais apetite, que eu tenho aqui para te dar a vitamina que tu precisas! – O Besuntas rematou – Vês? A sério que não te percebo, levas peixe para o mar...Aqui com tanto mulherio e vais-te mandar para Inglaterra só porque a “dótora” mudou-te as favolas! Ainda se tivesses aí algum dente de ouro um gajo ainda percebia… – O Grunho começou a colocar cada botão na sua casa – Ouve lá, a aparência é importante, se tiveres pinta e tratares bem de ti elas acreditam em tudo o que tu lhes disseres! E também conta a maneira como tu falas com elas, se dás atenção ao que te dizem, interessares-te, pá, até a farpela que tu vestes é importante, isto não é só chegar e dizer aqui estou, aqui me tens! – O Besuntas deu-se por vencido - Tens cá uma converseta, meu, vai lá vai – Há que ser fino, há que ser fino…E o dente de ouro vem já a seguir, isso é uma sardinha que já está a assar! Agora vamos embora senão fecha! – o Grunho levantou-se, embolsou o telemóvel e o rádio que ainda tocava fado. Pegou no pequeno arranjo de flores amarelas e vermelhas que repousava ao seu lado. Foi-se agachar perto da deusa nórdica com cuecas de atilho e aproximou-lhe uma rosa que tinha retirado ao conjunto. A rapariga ficou mais vermelha que um Ferrari – Thank you very much – disse ela. O Grunho, calado, sorriu muito ao de leve, fazendo apenas com a mão um pequeno movimento palaciano em modo de despedida e uma piscadela de olhos antes de, em saída triunfante, começar a andar, sob uma salva de palmas e assobios das amigas da contemplada. – Vá lá, vamos ao peep-show, caralho! Ainda dá tempo! – pediu o insensível Besuntas quase arruinando aquele momento.

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